Nós, os de Orpheu
Exposição na Biblioteca ou uma estranha vibração da
sensibilidade
1915 – “Assinarei assim (se você concorda) Mário de
Sá-Carneiro, Director do Orpheu. Se você não acha bem, e acha preferível, pôr
Poeta sensacionista, cabalístico, metafísico, intersecionista, opiado etc, por
mim é-me indiferente”. Era assim que desde Paris, Mário de Sá Carneiro escrevi
a Fernando Pessoa e a um grupo de “Loucos” poetas que, em Portugal, avançavam com
o que viria a ser o “primeiro grito do Modernismo” e a abertura à explosão da
Europa da altura.
A Orpheu revelou-se um choque para as letras e para a
sociedade ainda envolvida nas tendências novecentistas. Esta publicação, que
viu a luz do dia, com duas edições que causaram polémica, a 1ª em Março de 1915
tinha Fernando Pessoa, como seu lúcido porta-voz ou o “mestre do oculto”. O
autor de A mensagem, dizia mesmo que “espalhada a ideia de que os de Orpheu
seriam todos loucos, ao ponto de se recomendar o seu internamento num
manicómio”, Orpheu tornou-se um êxito de Livrarias! O tom era de “provocação” ,
“confronto”, e “transformação social”. Como diz Raul Leal, “pela 1ª vez em
Portugal, ergueu bem alto, ideologicamente o estandarte da revolta contra
velharias mais ou menos académicas que se pretendiam mumificar o pensamento
antigo, em vez de procurar rejuvenescê-lo, dando lhe uma nova seiva
vivificadora, que de modo algum o desvirtuaria”. Estes “cavalheiros” a raiar o
“Insano literário” e a extravagância, para eles, tudo seria óptimo para “provocar e agitar”…
Até o convite de Pessoa, com a protecção de Mário de Sá Carneiro, a Angelo de
Lima, um artista portuense hospitalizado em Rilhafoles – Hospital psiquiátrico
Miguel Bombarda), onde viria a morrer com 41 anos torna-se um acto de
“rebeldia” que pretendia “oficialmente”
que a revista passasse a ter um poeta louco, satisfazendo assim, os rumores da
imprensa e ao puritanismo que se seguia na altura.
“A única realidade da Vida é a sensação”
… “e a Arte é a sensação multiplicada pela consciência”!!
Quais eram as ideias bases destes sensacionistas, que se reuniam na Brasileira
do Chiado ou do Rossio, ou nos “Irmãos Unidos” para tertúlias inesgotáveis e
que atingiam uma mistura de panteísmo, talvez sobrevivente do saudosismo de
Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra. Ou a concepção da Natureza, em que
carne e espírito se fundem totalmente em algo que transcende a ambos. “A
interpenetração da Poesia, do Espírito e da Matéria, com um simbolismo francês…
Recorde-se que Orpheu era a abertura à Europa e ao cosmopolitismo, tendo por
isso também como influência o futurismo, o cubismo e outras coisas
contraditórias. A sensação seria então a chave de tudo. “Sentir é criar”,
defendiam e por isso, manifestavam-se anti religiosos, Deus só poderia ser um
elemento estético de … mistério por exemplo. Porque para estes, os de Orpheu, o
cristianismo só veio mutilar ou distorcer a sensação e a sua apreensão enquanto
pensamento ou Ideia, no Espírito, trazendo uma confusão de “sugestões” que impedem
a “atenção espiritual” no objecto exterior, ou no Sentimento (interior) e a sua
… memória intima e clara. E a sensação desdobra-se em múltiplas sensações sem
esgotar o real circundante.
Orpheu é também o elo transatlântico, com colaborações de
poetas brasileiros ou Luis de Montalvor (1891-1847) que Fernando Pessoa dizia,
anos mais tarde “vive num mundo seu, como todos nós, mas vive com vida num
mundo seu, ao passo que a maioria, em versos ou em prosa, morre o universo que
involuntariamente cria”. Também chegou à Galiza! Amadeo de Souza Cardoso, que
cresceu artisticamente em Paris, era o convidado para a 3ª edição, que nunca
saiu para as bancas… Uma revolução por página, é caso
para dizer. Morreram quase todos novos, perdidos numa espécia de demência, tamanha
a lucidez. O que se passou?
“As coisas são mais intelectualmente profundas, mais
sentidas com o coração … no cérebro, para falar de uma forma
sensacionista”!
Exposição que celebra o centenário de Orpheu para
transportar para o presente, a loucura demasiado sana de um colectivo que foi
“uma pedrada no charco” e agitou consciências. Na Biblioteca Municipal Albano
Sardoeira, em Amarante.
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