Ricardo Branco leva “1500” a Londres. “Não quero
comercializar nada”!
E, quando as despesas de um filme “reconhecido” no meio
atingem os 20 euros, do bolso do próprio realizador?! “1500” é a prova que nem
sempre um grande filme se faz com um alto orçamento. Estamos à conversa com
Ricardo Branco, amarantino de 23 anos a fazer o mestrado de Cinema na faculdade
de ciências sociais e humanas da Universidade Nova de Lisboa. Esta curta foi
terminada em Dezembro do ano passado e constou da selecção pelo Instituto de
Cinema Britânico, em Londres, para participar no BFI, um dos festivais de
circuito alternativo mais conceituado. Ricardo relembra,” foi um trabalho
intenso de um mês e meio com materiais da escola. Era delicado porque envolve
nervos e emoções pela equipa. Adorei trabalhar com os dois actores, Bernardo de
Lacerda e José Maria Brion. São extremamente talentosos. Foi uma excelente
primeira experiência”! “Como te sentiste com o teu primeiro filme em Londres?”
risos “Loucura total!!! Nunca acreditei que o meu filme fosse a algum lado. Não
consigo descrever a irrealidade”. “1500” aborda um casal gay, sendo uma
reflexão sobre a relação que têm um com o outro. “Fala da recorrência a drogas”
adianta Ricardo. “Tentei usar o mínimo de planos possíveis e deixar que os
próprios actores preenchessem o Espaço e o tempo que lhes propunha”. É um filme
fechado, claustrofóbico, “de diálogos desconexos, daí o nome da obra, em que os
espaços interiores e exteriores estão em tensão permanente”… E de natureza
existencialista. Não há tabus nem preconceitos entre os personagens, “despidos
de qualquer coisa” explica este jovem realizador. E a ideia é também fazer
pensar, “construir um espaço abstracto com que o espectador se identificasse ou
se pudesse relacionar. Leva-lo a reflectir”. “Foi difícil fazer o filme”
diz-nos enquanto nos explica as fontes de inspiração deste “1500”: “este
trabalho tem pouco a ver com a teoria da escola, e sim mais conectado com o que
eu aprendi a ver filmes, maioritariamente europeus (identifico-me com o
neo-realismo italiano). Mas, nunca rejeitei o que há de clássicos norte-americanos
ou até asiáticos”. A abordagem parece ser de uma cultura planetária. Depois da
participação da curta em Londres, Ricardo Branco confessa-nos, “tenho sido
contactado por vários países que têm interesse em exibir o meu filme.
Copenhaga, República Checa ou Barcelona são alguns dos exemplos. Não esperava
que fosse tão bem recebido”. A mensagem final acaba por ser “é isto (filmes)
que eu quero fazer toda a minha vida” confidencia.
“Projectado filme sobre político”. Apoios procuram-se
Agora, Ricardo Branco tem projectado um novo trabalho de
ficção, para apresentar no Outono. Para já, este artista amarantino que recusa
o rótulo de “agente cultural” apontando-o ao Cineclube de Amarante, pelo
esforço que esta instituição tem feito para desenvolver a sétima arte na
cidade, a remar contra a maré, desvenda-nos as principais linhas deste novo
filme. “Quero focar-me num personagem específico e ir construindo o argumento a
partir de conversas com a actriz”, e avisa “trata-se de um filme mais político.
Ele mostra uma visão sobre o que é a construção social, ou o que é a
sociedade”, rematando “ao colocar uma visão que eu tenho sobre a realidade
social ela é já política”. Ainda não há orçamento. Os materiais vão ser os da
escola e apoios procuram-se. “Não preciso de muito dinheiro para fazer um
filme. Não quero fazer filmes comerciais”. Isto vai de encontro à forma de
promoção que Ricardo quer para as suas obras cinematográficas, “Não pretendo
comercializar nada. Interessa-me o circuito dos festivais, e não o mercado
“comercial”. Nos primeiros o público é um público “interessado” que procura
algo mais do que um simples momento de diversão. Não me identifico com o
comercial”. Fazer pensar… Parece ser uma das chaves deste aprendiz de director,
que com este Filme de outono acaba o mestrado de Cinema.
O panorama por cá não
parece ser dos melhores. Num país em que “há muitas falhas e pouco apoio” e em
que há realizadores que são “mais conhecidos lá fora do que cá em Portugal”. E
passa a explicar, apontando para a “falta de cultura”, “não estando o povo
português para receber “coisas mais difíceis”. Os espectadores gostam de coisas
fáceis”. Assim, a aventura deste jovem parece estar apenas no despertar, mas
que atitude e originalidade já são denotadas na sua forma de criar e de estar.
E, não podíamos deixar a nota do autor de “1500”, “com a falta de interesse que
há, o cinema é quase todo underground”. De fora, ficam apenas “os filmes de
espectáculo”. Agora, espera-se mais um acto de génio que constitua mais um
passo “na expressão” de Ricardo Branco.
“Cultura alternativa”
Este jovem que nos diz em jeito de conclusão, “Sinto-me
feliz por ver um céu azul”, está empenhado no combate ao preconceito e à
marginalização da cultura gay. É um dos co- organizadores de “Escrever nas margens”,
juntamente com Carolina Marcelo. A ideia era criar “um colóquio para falar
sobre cultura marginal em língua portuguesa”, adiantando “pretendemos evoluir
para outro tipo de marginalidades… No começo, foi de sexualidade ou o que
estivesse fora da norma. Dando voz a autores que foram silenciados durante
anos. Convidamos artistas, académicos e professores”. Em 2015, o Maus Hábitos
recebeu a II edição do colóquio. A próxima será em 2017, em que se esperam
algumas surpresas… “O Escrever nas margens cresceu imenso. É um projecto que
exige muito trabalho”, fala. Até porque a desinformação ainda é muita. “É só o
inicio do caminho. As pessoas não estão tão informadas quanto isso. Ainda há
muita desinformação e preconceito. Vivo numa bolha. Apesar de no dia a dia não
sentir tanto isso, mostra que ainda há muita coisa para fazer” e finaliza
“ainda não há lugar nenhum no mundo que seja igual ser homem ou mulher”. Para
que as vozes não calem…e os direitos sejam respeitados!!
Fica a apresentação feita deste jovem criador amarantino que deixa o apelo,
“gostava que houvesse espaços para a sétima arte, em Amarante. E, se houver
interesse gostaria de apresentar o meu filme na minha cidade”! Mundos
alternativos ….
E o real é alternativo
por Liam C.
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